A Xícara

Olho os pedaços: são da xícara,
mesmo depois de quebrada lá está ela, nos cacos.

Visto-me, vou até a cozinha.
Chove, é janeiro, está quente.
Junto tudo e remonto na memória da saudade minha xícara.
Já não a reconheço: é outra.
No entanto é a mesma: xícara.

Esquento a água.
Fervo o boldo para o fígado,
fervo a carne para marte,
junto os cacos conforme a xícara.
Juntos, que mais queremos?

Queremos muito: mundo justo,
justa terra que nos cabe,
massa toda nessa rua,
pratos cheios de loucuras.

Queremos juntos.
E juntos os cacos já na xícara tão grudados.
O que hão de querer os cacos todos juntos,
Senão a xícara já no chão?
Mas chove e é janeiro.

 

(Em diálogo com o PS. Que fala do amor, do desamor e de outras bobagens do subcomandante
insurgente Marcos, de 23 de
dezembro de 1995).

This entry was posted in meus escritos. Bookmark the permalink.